quinta-feira, 8 de setembro de 2011



Eu a conheci há oito anos. Era minha aluna.(...) Logo na primeira aula descubro quase imediatamente qual daquelas garotas é a minha.(...) eu já estava com sessenta e dois anos, e a garota, que se cha-ma Consuela Castillo, tinha vinte e quatro. Ela não é como as outras da turma. Nem parece uma aluna, pelo menos uma aluna comum. Não é uma pós-adolescente, não é uma dessas garotas desmazeladas, tranchas, que dizem "tipo assim" cada vez que abrem a boca. Ela fala bem, é equilibrada, tem uma postura perfeita — parece saber alguma coisa a respeito da vida adulta, além de saber se sentar, ficar em pé e andar. Assim que você entra na sala percebe que essa garota sabe mais, ou então quer saber mais. A maneira como ela se veste. Não é exatamente o que se chama de chique, ela com certeza não se veste de modo exagerado (...) Usa umas roupas escolhidas a dedo, com um bom gosto discreto, saias, vestidos e calças feitas sob medida. Não para se tornar menos sensual, e sim, ao que parece, para se profissionalizar. (...) A blusa de seda está desabotoada até o terceiro botão, de modo que dá para ver que ela tem seios poderosos, lindos. Imediatamente você vê a fenda entre eles. E você vê que ela sabe. Você percebe que, apesar do decoro, da meticulosidade, do estilo cuidadosamente refinado - ou por causa disso tudo —, ela tem consciência de si própria (...) De modo que você compreende que a moça tem consciência de seu poder, mas não sabe direito como usá-lo, o que fazer com ele, não sabe nem mesmo até que ponto quer ter todo esse poder. O corpo ainda é novo para ela, a moça ainda o está experimentando, tentando compreendê-lo. (...) E essa moça também tem consciência de outra coisa, algo que eu não poderia ter percebido logo na primeira aula: consi¬dera a cultura importante, tem por ela uma reverência um tanto antiquada. Não que tenha alguma intenção de dedicar sua vida à cultura. Isso ela não quer e nem poderia fazer — teve uma educação tradicional demais para isso —, porém acha a cultura, a coisa mais importante e maravilhosa que conhece. E o tipo de pessoa que sente fascínio pelos impressionistas, porém é obrigada a ficar muito tempo olhando com atenção — e sempre com uma incômoda sensação de perplexidade — para um Picasso da fase cubista, esforçando-se ao máximo para compreen¬dê-lo. Assim, fica olhando, aguardando uma nova sensação surpreendente, um pensamento novo, uma emoção nova, e quando nada disso acontece ela se recrimina por sua incompetência e por lhe faltar... o quê? Ela se recrimina por nem sequer saber o que é que lhe falta. A arte mais moderna a deixa não apenas perplexa, como também decepcionada consigo mesma. Ela gostaria muito que Picasso fosse mais importante para ela, talvez até a transformasse, porém há uma espécie de cortina translúcida que a separa do proscênio da genialidade, toldando sua visão e obrigando-a a adorar a certa distância. Consuela dá à arte, a toda a arte, muito mais do que recebe em troca, uma espécie de seriedade que chega a ser tocante. Um coração bom, um rosto lindo, um olhar ao mesmo tempo convidativo e distanciado, peitos sensacionais, uma mulher ainda recém-saída do ovo, tanto assim que não causaria espanto encontrar fragmentos de casca colados naquela testa ovóide. Vi de imediato que aquela garota seria minha.(...)


Phelip Roth in: O Animal Agonizante - Companhia das Letras.

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